quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Os adoradores da vitória

Por mais estranho que pareça, a derrota é, às vezes, mais saudável
do que a vitória. Em muitos casos, a derrota remove o servo de Deus
do pedestal no qual ele e os seus admiradores o elevaram, e coloca-o
em seu devido lugar. Já a vitória pode prestar serviço contrário, tirar
o servo de Deus de entre os outros servos de Deus e o colocar acima
de todos.
Não há nada de errado no sucesso. A vida bem-sucedida faz parte
dos planos de Deus. O sucesso chega a ser inevitável para quem, à
semelhança de José, é uma “árvore frutífera à beira de uma
fonte” (Gn 49.22). O sucesso é uma situação normal para quem
preza a comunhão escondida com Deus. Mesmo em circunstâncias
contrárias ou “no ano da seca”, ele não deixa de dar fruto (Sl 1.3; Jr
17.7-8). Mas, se a humildade, antes, durante e depois do sucesso,
não for prudentemente mantida, com certeza o sucesso fomentará a
soberba e esta, por sua vez, a ruína, como a Bíblia o ensina
sobejamente (Pv 16.18).
Apesar de ser muito difícil lidar com o fracasso, parece ser mais difícil
ainda lidar com o sucesso. Veja-se, por exemplo, a história de
Gideão.
A vitória de Gideão sobre os midianianitas foi fantástica. Depois de
reduzir o seu exército, a mando de Deus, de 32 mil para trezentos
homens desarmados (eles carregaram trombetas em uma das mãos e
tochas acesas na outra), Gideão pôs em fuga os midianitas e eles
mesmos se mataram com suas próprias espadas (Jz 7.1-25). O
pequeno número de soldados (menos de 1% de todos os voluntários)
era uma medida preventiva contra a possível soberba: “A fim de
que Israel não se orgulhe contra mim, dizendo que a sua
própria força o libertou” (Jz 7.2).
Os acontecimentos posteriores à vitória de Gideão sobre os
midianitas mostram que ele não soube lidar com a vitória. Mesmo
rejeitando a oportunidade de tornar-se rei de Israel por aclamação popular (Jz 8.22-23), Gideão não tomou o devido cuidado para evitar
que aquela estrondosa vitória se tornasse objeto de idolatria. Ele
recolheu vinte quilos e meio de brincos dos midianitas e com esse
trunfo da vitória fez um manto sacerdotal que, além dos valores
material e histórico, foi aos poucos obtendo valor religioso. Apesar de
Gideão ter tido a coragem de despedaçar o altar de Baal, que
pertencia aos próprios pais, por ocasião de seu chamado (Jz 6.25-
32), ele se tornou o responsável pelo retorno à idolatria.
Posto em Ofra, a cidade natal de Gideão, o manto sacerdotal,
cravejado com as jóias arrancadas dos midianitas, virou um objeto de
adoração e uma armadilha para a família e para todo o Israel. Os que
ridiculamente faziam peregrinações a Ofra e dobravam seus joelhos
diante daquele ídolo eram os “adoradores da vitória”, e não de Deus,
que tornou possível a vitória. Essa é uma das formas mais grosseiras
da soberba. E talvez seja mais comum do que se pense!

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